13 Cubos de gelo
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As palavras atropelam-se na tua boca e criam o embaraço a que chamo amor rasurado. A melodia lenta dos sentimentos que te jorra por entre os lábios parcialmente cerrados é o que me arde o coração. E sabes que eu nem sou dada a estas porcarias de sensibilidades e bem quereres. Demasiado ásperas ao tacto. Demasiado tuas.
(peço desculpa por o quão desinteressantes andam os textos)
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7 Cubos de gelo
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«Não nos sentia assim há muito. De cumplicidade estonteante, carne cravada num mar de afeição pura. Funcionando em sintonia perfeita. Que falta me fazias deste jeito. Muita, muita.»
17-05-10 E que falta me fazes ainda agora desse jeito. Desgosto-me assim, débil. Feita de irregularidades em superfícies rugosas. E desgosto da barreira psicológica criada entre nós. É a proximidade distanciada e a minha apatia. É a afeição que extravasa em nós o que nos salva. Este bem-querer coberto por um invólucro falso de desdém o que nos aquece o coração. Ternura trazida por ti em grandes sacos cor-de-rosa.
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13 Cubos de gelo
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Há pessoas que que dão vontade de segurar e envolver nos nossos braços. Desejamos puder conseguir destilar-lhes as lágrimas e remendar-lhes a alma. É dos meus males. Sou atraída pelo complicado e distorcido. Há certas e determinadas pessoas que me enchem as medidas na perfeição. Gosto-as danificadas, de lhes aconchegar o coração combalido. De desequilíbrio visível e palpável. Gritando por afecto. Assim, do meu jeito.
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10 Cubos de gelo
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Olha que eu cá não desgosto dessas atitudes de embate. Que me queiram esborrachada no chão e golpeada em profundidades exorbitantes. Estrangulamentos mentais. Ainda sou apologista da teoria do equilíbrio da balança. E amor com amor não me convence. É preciso o ódio puro, fogoso e violento para sabermos que não somos insípidos. A neutralidade faz-me comichão. São alergias minhas. Hipersensibilidades.
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12 Cubos de gelo
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Percalços, não é? Pois. Senti-te a falta, mesmo assim. Ainda me fazes falta, consegues acreditar? Desculpa-me o facto de ser tão aderível. Pego-me exacerbadamente às pessoas. Para ti isso representa uma falha de personalidade. Divergências, pronto. Não te sei mais agradar. Nunca o quis realmente fazer, sabes? Engraço com o meu jeito. Não tenho outro. Não quero ter. Bah. Por muito que te possua, por muito que te detenha numa caixa de veludo, será sempre um disfarce. Partirás à mercê da vida, deixando-me com o invólucro de uma cilada de amor e a percepção de que não passamos de aderentes na iminência de descolar. Descansa.
Da tua ligeiramente danificada, Inês.
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6 Cubos de gelo
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Vem minha jasmim, volta. De textura áspera e revestida de doçura. Fazes-me tanta falta miúda. Vem jasmim, senta-te a meu lado. Destrói-me os caracóis do cabelo e explica-me o porquê destas perturbações emparelhadas mediocremente. Vem minha jasmim, vem e não me olhes. Preciso de chorar.
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12 Cubos de gelo
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- Não te suporto garota. A ti e a essas luzes que envergas aos sonhos. Não sei do que são feitos.
- Pasta de papel. Pegajosos e em papa. De vez em quando cartão robusto. 3 moléculas de hidrogénio e duas de metano. É sempre muito subjectivo. Eles são sempre muito subjectivos.
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12 Cubos de gelo
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Lis dizia que o amor era um cáustico mar de efemeridades onde nos deixamos afogar, vezes e vezes sem conta. É o brilho do despoletar o que nos cega a alma e tapa os ouvidos do coração. A ingenuidade de Lis não se aplicava nestes casos. Ela sabia de cor o quão profundo cada golpe consegue ir. Conhecia o cabo de cada punhal, a minha jasmim. Era singular em cada atitude. Sempre que a golpeavam de qualquer forma, ela ripostava dizendo: - Tu não brilhas. E dizia-o exactamente desta forma. Falava do mesmo modo que escrevia. E vivia do mesmo modo que sonhava.
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14 Cubos de gelo
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Conhecias-me as pontas da alma e as arestas do coração. Sabias-me sonhadora de mundos e vidas e nunca, nunca me tentaste assentar no chão. Às vezes até sonhavas comigo. Atribuías novas características às minhas utopias, davas-lhes novos contornos. Ficavam assim mais tuas. Mais nossas. E eu nem me importava, o intuito continuava fixo. Eu e tu num mundo nosso, criado em volta da percepção pura e perfeita de que viveríamos por entre raios de luz e pedaços de cetim. Nuvens de algodão doce e bocados de bombons anímicos, juntos numa perfeição distorcida. Não deixavas que nos desfiassem os sonhos, nunca. Éramos pisa-papéis de solidão.
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16 Cubos de gelo
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- Como raio viemos todos cá parar?
- Acho que fomos feitos às três pancadas. Embora pense que tu levaste quatro.
- E então porquê?
- Ora: levaste as três pancadas de rotina, tudo ficou dentro dos contornos e preenchido de matizes claras. E depois levaste a quarta, que tirou tudo do sítio. Tens o sistema todo lixado,miúda. És daquelas obras-primas que toda a gente acha que estão ao contrário.
- E tu, de que me perspectiva me vês?
- Eu faço parte daquele grupo restrito de pessoas que sabe reconhecer uma peça de arte quando a vê. Mas também gosto de brincar aos pintores de vez em quando. E és a minha musa. Obra viva. E reinvento-te, todos os dias. Aliás, reinventas-te sozinha, eu só defino contornos. Grandes borrões feitos a carvão, que tu não és de meios-termos, não senhora.
- Falta-me a borracha.
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11 Cubos de gelo
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Lis, a minha pobre alminha perdida por entre um borrão de manchas de carvão . Como açúcar torrado. Coração padecendo de amor. Campos de trigo, sem trigo nenhum. Tinha um daqueles jeitos delicadamente brutos capazes de nos envolver e encantar. Terna solidez e precisão abrupta. Tal e qual um felino brincando com um novelo de lã. De uma meiguice descomunal, a jasmim. Que bem sorria. Gargalhadas condensadas, obedecendo a um padrão rítmico. Um deleite de ouvir. Foi ela. Foi ela que me pegou o gosto por a cumplicidade. Foi ela quem me ensinou as cores de um abraço. Quem me envolveu pedaços de coração em celofane.
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12 Cubos de gelo
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Na corda bamba, balançando em desequilíbrio controlado. Óh mon amour, que é feito de nós? Estilhaços. Andamos feitos estilhaços. Pobres alminhas deambulando por ruelas de amargura. É assim. São os fins abruptos e os abraços de alento. Lacrimejares falsos, só porque achamos moralmente incorrecto não o fazer. Perdas lamentadas em compassos binários e sorrisos perdidos numa rajada de vento. Corações corroídos por o intervalo de tempo. Ah, sacana. Apanha-nos sempre, o fedelho. Não é justo. Newton dizia que construíamos muros em vez de pontes. Eu construo placas de aço inoxidável fixas ao chão desde raiz. E tu costumavas construir berbequins.
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20 Cubos de gelo
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Morfina para as pontadas do coração. Aspirinas que se tomam para as enxaquecas de saudade. Brufens para a solidão e bisturis dilacerando memórias. A minha doença? É a das almas perfuradas por bocadinhos de arco-íris. São flores virando pózinhos mágicos coloridos de onde se extraiem grãos de felicidade. São ataques cardíacos sucessivos. Falta de oxigénio e afeição excessiva. Neuropatias a dois. Há também quem lhe chame amor, mas isso é a demência a falar. Todos sabemos que o amor é hiperplasia. Lúpus que inflama os tecidos do coração. Seria tolo atribuir-nos o cognome. Nós somos só porções de afecto prensado, inclinações de alma. De que nos vale, meu amor, se o coração não se exalta ?
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12 Cubos de gelo
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- Não gosto disto assim.
- Assim como?
- Assim, insonso. Meio-termado. De vestido imaculado e cabelo impecável. Muito como devia ser.
- Eu acho que estamos bem assim.
- Era o que eu temia. Perdeu-se a diferença. Esfumámo-nos e agora não te distingo de mim. Fundimo-nos, e eu deixei. Perdi-me para ti. Soube fazê-lo. Agora, saberei decerto como me encontrar. Longe, que a distância é remédio santo para quebras de espírito e desamores.
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14 Cubos de gelo
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Às vezes deixamos de ser como somos, para sermos como temos de ser. Moldam-se mentes, ajeitam-se personalidades e sobem-se bainhas de impetuosidade. Passamos a ser estritamente paralelos e a evitar a perpendicularidade. Ninguém anseia por o embate. Ninguém acha o choque da discrepância agradável aos olhos e saboroso ao coração. A avidez da troca de ideias fortes, com pequenos pedaços de orgulho singelo pelo meio.
Já ninguém quer colidir.
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13 Cubos de gelo
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- Como classificas as falhas?
- Como as reproduções mais fiéis do meu ser. Simulacros de amor prensado.
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14 Cubos de gelo
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Ser amiga de lis era a coisa mais simples do mundo. Nenhum esforço especial era requerido. Se ela engraçasse com a nossa forma de ser bastava sermos assim o tempo inteiro. Era doce, verdadeiramente doce. Não propositadamente, não para agradar. Era o seu jeito de ser. Ripostava sempre que eu realçava essa característica nela. - Não, não posso ser doce. Sabes o que acontece às pessoas dóceis e aprazíveis? São espezinhadas. Ficam o brinquedo do mundo. Eu não sou nenhum brinquedo nês. Dizia a última frase de lágrimas nos olhos. Encantava-me a forma singular como via o mundo depois de tudo o que já tinha sofrido. Para Lis o mundo era uma grande bola cor-de-rosa felpuda onde ela deslizava dia após dia. Talvez eu fosse a única pessoa que sabia que, por dentro, estava em carne viva. Desgasta de uma vida de injustiças e violência. Pobre bonequinha de porcelana. Estava feita estilhaços.
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14 Cubos de gelo
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- Não me venhas com essa atitude, inês. Não me dês essa imagem de miúda sem medo que consegue controlar tudo à sua volta.
- Nunca disse tal coisa. O medo é um dos meus irmãos de sangue. Ando com ele desde que me conheço. É um tipo porreiro, com um humor um bocado pérfido. Mas assenta-me os pés na terra. Aliás, cola-mos lá...
- Más companhias, é o que é.
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27 Cubos de gelo
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Não, hoje não. Hoje sou pasta de papel. Letra de jornal que borra, risco a carvão. Rosa em bruto e doce de caramelo. Hoje o coração será substituído por algodão doce e caneta de aparo, envoltos em lírios azuis. Serei rainha do reino dos que sofrem de personalidade limítrofe e sofreremos de ambivalência juntos. Serei áspera ao toque e ácida ao paladar. Arco-íris sépia e unicórnio laranja por entre prados azul ardósia. Verei o Sol de pernas para o ar, só para arrufar com a gravidade. Somos duas grandes meninas mimadas. Ela puxa-me e eu resisto. Andamos nisto desde que me conheço. Sabes o que quero mais? Quero engolir a lua. Abocanhá-la de uma só vez. E quero que todos reconheçam, de uma vez por todas, que o céu é magenta.
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21 Cubos de gelo
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Conhecia-me como ninguém e adorava que lhe confessasse tudo. Dizia, vezes sem conta: «ninguém te sabe como eu te sei». E dizia-o cheia de presunção nos lábios. Era uma cutie pie, a Lis. A única pessoa com autorização para me ver chorar. Reagia peculiarmente diante lágrimas. Não a sobressaltavam de modo algum. Era disso que eu gostava. Poder chorar, sempre que me apetecia, sem justificações ou avisos prévios.
- É uma maçada, quando nos perguntam porque estamos a chorar.
- Se o fazemos é porque nos escassam as palavras e as coisas batem forte no coração, não é Lis?
- É sim senhora.
E virava costas. Deixava-me ali, vertendo lágrimas durante um tempo. Voltaria, depois, para me reconfortar. Conhecia o papel de amiga vulgar, embora não lhe despertasse interesse. Irreverência, essa sim, lhe arregalava os olhos. Era protectora, a seus modos. Cuidava de tudo o que lhe pertencia. E sabia-me dela.
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